No Natal de 1914, em plena Primeira Guerra
Mundial, soldados ingleses e alemães deixaram as trincheiras, fizeram uma trégua e confraternizaram como se a guerra não existisse |
*Pedro Augusto Pinho
Existe quem confunda poder e governo, embora não os encontre
entre meus esclarecidos leitores.
O poder faz os governos. Quando o povo faz o governo
chamamos democracia; quando são outras forças chamamos tirania.
Próxima à cidade de Ypres, na Bélgica, ocorreu na noite de
Natal de 1914, durante a I Grande Guerra, um fato inusitado: as forças alemãs,
francesas e britânicas, que combatiam nas trincheiras, fizeram um cessar fogo e
se confraternizaram, trocando bebidas, alimentos e fumo.
Prevaleceu sobre a selvageria irracional da guerra o
sentimento da humanidade e da fraternidade.
A respeito desse evento há o filme Feliz Natal (Joyeux Nöel,
2005), de Christian Carion, e o ensaio de Reinaldo V. Theodoro, “A Trégua de
Natal” (Clube Somnium, 2004, ime.usp.br).
À época, o poder estava nas mãos da aristocracia, das armas
e da igreja – representado pelo príncipe Hohenzollein, pelo general francês e
pelo bispo inglês. Todos agindo como velhacos, com mesquinhez e preconceitos,
típicos destes poderes.
O tempo provocou mudança dos detentores do poder, mas não
alterou suas qualidades. O poder continua se impondo pela fraude, por
argumentos falaces, pela mentira e sempre contra a humanidade.
O povo não sabe usar sua força extraordinária da maioria da
população. Sua ação intuitiva é pela paz, pelo ato solidário.
Foi fácil levar o povo à rua pela fraternidade, pela
igualdade, pela liberdade. Embora o resultado tenha sido, nos séculos passados,
a conquista do poder pela tirania e pela hipocrisia que colocaram seus títeres
nos governos.
Foi igualmente fácil colocar o povo na rua pela integridade
moral, pela honestidade, para entregar o governo aos corruptos, aos desonestos.
O poder das elites mais perversas e oportunistas sempre
ilude o povo.
Há, no filme referido, uma passagem exemplar quando o bispo
inglês se dirige aos soldados, alistados e recrutados, e pede: matem em nome de
Deus. Quantas vezes, caros leitores, vocês ouviram, leram ou até viveram
situações grotescas semelhantes.
Nada mudou, exceto o detentor do poder nos dias de hoje. O
poder atual está nas mãos do sistema financeiro, que denomino sinteticamente:
banca.
A banca assumiu o controle da indústria – são os fundos
financeiros os principais acionistas das corporações internacionais –, o
controle das comunicações de massa – todas as empresas e agências de notícia
divulgam os mesmos selecionados eventos e personagens, com as mesmas análises,
até com as mesmas expressões, objetivando criar um sentimento homogêneo na
população – e o controle de setores governamentais e mesmo estruturas inteiras
de governos nacionais.
E, pelas farsas de eleições “democráticas”, orientadas por
atos terroristas, campanhas que são verdadeiros linchamentos, informações
incorretas, a banca vai construindo parlamentos e governos que agem como seus executivos.
Mas este poder tem um grande inimigo: o povo, que cresce, se
avoluma, batendo às portas dos empregos, do tratamento de saúde, da instrução,
da própria existência. No Natal de 1914, éramos cerca de 1,8 bilhão de seres
humanos; em 2017 já totalizamos 7,6 bilhões.
Daí decorre o projeto de extermínio da banca. Não só pelas
guerras e conflitos que incitam pelo mundo, colocando etnias e religiões em
oposição – sabemos hoje que o “terrorismo islâmico” foi constituído com
recursos financeiros, armas e treinamento dos serviços secretos britânico e
estadunidense – mas pelas doenças que disseminam, pela miséria que alastram
(com a falta de trabalho e de distribuição de alimentos e produtos de higiene),
pelas prisões abarrotadas por uma justiça cúmplice e pela violência nas cidades
e nos campos pela soma de atos de seus governos títeres.
Muito mais do que um simples artigo seria necessário para
enumerar e descrever a maléfica ação da banca em nossos dias. Vou ater-me a um
aspecto que causa a nós, brasileiros, enorme prejuízo: a constituição do “poder
judiciário” como o capitão do mato da banca no século XXI.
O povo, pela didática colonial que lhe é imposta desde
sempre, confunde direito, justiça e a estrutura judiciária, também denominada
“poder judiciário”.
Frases imbecis como “decisão de juiz se cumpre, não discute”
soa-me como “agressão de estuprador psicopata se aceita, não se reage” ou “ao
sequestrador se paga tudo, nem se negocia”.
Tenho profunda convicção que quase todos os juízes,
desembargadores, ministros, inclusive do Supremo Tribunal Federal (STF), tão
loquazes e midiáticos, não saberiam discorrer sobre a fonte jurídica de suas
argumentações. Como se expressou antigo Procurador Geral, amigo meu já
falecido, são mero rábulas, apenas conhecem, na melhor avaliação, os trâmites
processuais.
Vou ajudá-los, sem qualquer contrapartida. Entre os
principais pensadores, que os influenciam, está o jurista alemão Carl Schmitt
(1888-1985), que tem em sua biografia a adesão ao nazismo em 1933. Na mais de
meia centena de livros que escreveu, um tem edição no Brasil: “O nomos da Terra
no direito das gentes do jus publicum europaeum” (Contraponto – Editora PUC
Rio, RJ, 2014).
Dois pontos são básicos na construção teórica de Schmitt: o
espaço e a ordem.
Sinteticamente temos no espaço o elemento móvel, na ordem a
permanência, a estabilidade; nenhum constituído pelo povo. São imposições do
poder.
O espaço – além da terra, mar, ar e além da Terra – inclui
os espaços conceituais: espaço político, das guerras, da cooperação, dos
impérios, espaços econômicos e outros.
A ordem é uma busca infindável diante do dinamismo da vida
em sociedade. Seu ideal é a estagnação, onde encontramos a imobilidade social.
Contrariando o dístico de nossa bandeira, na ação jurídica
de nossos dias a ordem não traz progresso. Este surge da instabilidade do
espaço, conforme o nazi-jurista alemão.
O esclarecido leitor já identificou no “poder judiciário” a
submissão aos ideais de Carl Schmitt: o espaço do império da banca – que ignora
as fronteiras nacionais e zomba da soberania brasileira – e a ordem que impede
a movimentação econômica e social, mantém a escravidão, a ignorância, a
miséria.
Cabe-nos perguntar: o que deve fazer o povo para
reconquistar o espaço nacional e o progresso do Brasil?
Se o direito é o império da lei e esta se aplica para manter
a ordem, e a ordem no século XXI é a ordem monetária da banca – como em 1914
era da coroa imperial, da espada e da sotaina – extirpar este direito é
condição para própria sobrevivência humana.
Observe o caro leitor que não estou pedindo para tal ou qual
curso de ideias ou ideologias políticas. O carrasco de hoje enfrentará o
patíbulo amanhã, apenas mudando o dono do poder.
Daí a relevância da luta por nova constituição, que definirá
o direito que represente o interesse do povo, criando instituições que defendam
o poder brasileiro, o desenvolvimento social, econômico, científico,
tecnológico do País, a proteção dos habitantes, enfim a legislação da paz, da
soberania e da cidadania.
Constatando também que o sistema judiciário apenas defende a
ordem, como conceituada por Carl Schmitt, é imprescindível construir um novo
sistema de justiça no qual o povo tenha permanente comando e controle.
Assim, a manifestação do Natal nas trincheiras em 1914 não
teria sido um fato inusitado, mas a corriqueira convivência dos povos. E
estaremos livres de poderes cada vez mais excludentes e inimigos da humanidade.
Pelo povo, fonte de poder, contra a tirania do financismo.
*administrador
aposentado
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