quinta-feira, 30 de março de 2017

ECONOMIA SOLIDÁRIA, A ECONOMIA DA ESPERANÇA

Texto de Dayse Valença, Assessora do Núcleo de Desenvolvimento Local Comunitário do Campo e Irene Rosseto, integrante da Asplande - Assessoria e Planejamento para o Desenvolvimento


FALAR DE ECONOMIA SOLIDÁRIA É FALAR DE RESPEITO À VIDA NO PLANETA
Respeitar a vida pressupõe que na nossa nave mãe, o planeta terra, não pode haver passageiros de primeira, segunda, terceira, quarta classe. Porque é exatamente nessa divisão que está a gênese das guerras, da destruição do meio ambiente, da exclusão social. O grande desafio da Economia Solidária é desconstruir essa lógica perversa.

A Economia Solidária privilegia a valorização da escala humana, a satisfação e o crescimento dos indivíduos à simples busca de rendimentos econômicos. Portanto,
é a economia da inclusão social, da paz entre os seres humanos. É a economia da esperança, no sentido de que é possível recriar uma nova sociedade que tenha como pilares a valorização e o respeito da diversidade humana no seus diversos aspectos, a cultura da inclusão social e econômica, a cultura da paz como prática cotidiana da sociedade.
Economia que cuida do planeta, preservando a biodiversidade, o meio ambiente, única forma de tornar possível a vida na terra, promovendo a qualidade de vida no presente e deixando como legado um planeta saudável para as futuras gerações.
O movimento denominado Economia Solidária começa a se desenvolver e ter visibilidade nos anos 90, década que marca a consolidação de uma nova fase do sistema capitalista, o neoliberalismo. É nesse período também que o mundo ainda está atordoado assistindo aos últimos suspiros do socialismo real.
A Economia Solidária nasce em oposição aos estragos do neoliberalismo - Exclusão, desemprego, miséria - e dá vida a um sistema de produção, distribuição e crédito alternativo ao capitalismo.
Podemos considerar a Economia Solidária como uma busca para um novo socialismo, centrado na pessoa humana e não na acumulação de capital e lucro. Se
baseia na reciprocidade, na igualdade e no respeito entre as pessoas e na organização de empreendimentos autogestionário, democrático e coletivo.
Antes de continuarmos a descrever o movimento de Economia Solidária e suas implicações práticas no processo de organização e melhoria de vida de milhões de excluídos no mundo todo, trataremos de entender um pouco as origens do neoliberalismo, essa nova fase do capitalismo que está tão presente na vida de todos nós.

NEOLIBERALISMO, UM INSTRUMENTO A SERVIÇO DA GLOBALIZAÇÃO ECONÔMICA E A EXCLUSÃO SOCIAL 

O neoliberalismo é um fenômeno político e econômico que nasce no final dos anos 70, e já na década dos 90 se impõe como ideologia dominante no mundo todo. Tem como maior referência os indivíduos, prega assim o individualismo seja na esfera política econômica ou social.
Inspirando-se na teoria liberal dos séculos XVIII e XIX, e principalmente no pensamento de um dos seus maiores teóricos, Adam Smith, o neoliberalismo defende o “livre mercado” e a atuação da “mão invisível” como melhor forma de regular as atividades econômicas. Prega a redução do papel do estado a funções “mínimas”, deixando para a sociedade civil o papel de redução da desigualdade.
A visão de mundo do neoliberalismo também é reforçada pela teoria evolucionista de Darwin, que, em síntese, prega que quem sobrevive é o mais forte, aquele que se adapta melhor às mudanças do ambiente. Com isso, torna natural e legítima a exclusão de dois terços da população mundial. Porque, nessa visão, essas pessoas não foram competentes o suficiente para estarem incluídas nas universidades, no mercado de trabalho, nas especulações do mercado financeiro, na orgia do consumo descartável que destrói os recursos naturais e, conseqüentemente, o meio ambiente.

ECONOMIA SOLIDÁRIA: UM OUTRO MUNDO É POSSÍVEL.

Como já descrevemos, falar de Economia Solidária é falar de valores éticos baseados na cultura da cooperação, da solidariedade, do respeito e preservação ambiental em que mulheres e homens juntos se mobilizam e trabalham na construção de um mundo justo.
A Economia Solidária assume formas multíplices, encontramos empreendimentos familiares ou comunitários, formais e informais, pequenas empresas ou cooperativas populares, atividades na área rural e industrial, nos serviços, no crédito e na poupança… Mas o importante é que todas elas são fundadas na equidade, na participação autogestionária e na democracia.
A Economia Solidária vem se desenvolvendo na prática através da organização de:

Redes 
São espaços democráticos que entrelaçam pessoas ou entidades em torno de valores e objetivos comuns. Do ponto de vista organizacional, a principal característica da rede é a não existência de um centro de poder ou de uma hierarquia nas relações. Todos os nós da rede representam um centro de potência/poder/decisão. As informações circulam de forma dinâmica, transparente e são emitidas de vários pontos.
Essa é a essência e a beleza da organização em rede que permite o desabrochar de teias de talentos criativos, ampliando, assim, as chances de atingir suas metas e seus objetivos.
Dependo do tipo de rede, podem surgir para promover entre seus membros: intercâmbios e trocas de experiências, socialização de informações, capacitação gerencial, qualificação e aprimoramento profissional, compra de matéria-prima conjunta, divulgação e venda conjunta, troca de produtos e serviços.
No Rio de Janeiro, podemos citar vários tipos de redes que já estão organizadas há anos como a Rede Cooperativa de Mulheres Empreendedoras, a Rede de Difusão do Cooperativismo Popular, a Rede de Centros de Desenvolvimento Local Solidário, o Fórum de Cooperativismo Popular, a Rede Ecológica.

Cooperativas Populares
O cooperativismo popular é um movimento que conta com a participação de distintos grupos da sociedade civil organizada e se expressa através de redes, associações, cooperativas, que se reúnem em torno de uma proposta comum. São pessoas que têm como objetivo melhorar a qualidade de vida da comunidade onde vivem, preservar o meio ambiente, promover a cultura local, propor políticas públicas em benefício da comunidade, trabalhar com medicina alternativa, organizar empresas com vistas a potencializar a criatividade de seus cooperados e melhorar seus rendimentos, entre outros.
Apesar da diversidade das experiências, todas elas buscam a construção de uma sociedade justa. Esse movimento vem contribuindo de forma concreta para que as pessoas resgatem sua capacidade de trabalhar coletivamente, com confiança, respeito mútuo, determinação e solidariedade .
Nas cooperativas populares, o cooperado é o protagonista do seu trabalho, ele é um ser autônomo que usa de forma criativa seus conhecimentos e habilidade em prol do seu autodesenvolvimento e o da cooperativa como um todo.
Exemplos de cooperativas populares aqui, no Rio, são os da Corte&Arte e Pão&Vida no morro do Cantagalo; a Rede de Centrais de Serviços – RCS, que reúne trabalhadores de vários bairros da cidade do Rio de Janeiro e São Gonçalo; a Cooptias, em Santa Cruz; a AmaKaf, em Bangu; em Olinda, Pernambuco, temos há 17 anos a pioneira experiência da Cooperativa das Lavadeiras, com uma linda história de luta.

Consumo Crítico e Comércio Justo
O movimento de comércio justo e consumo crítico surgiu há mais de 30 anos, na Europa, com a finalidade de mobilizar a população contra o jogo comercial do ganha-perde entre os países ricos e os países pobres. Nesse jogo, os ricos sempre ganham e os pobres perdem.
As pessoas, quando vão fazer compras, escolhem os produtos não só na base da relação preço-qualidade, mas começam a usar outros critérios como respeito ao meio-ambiente, cuidado com a segurança do trabalhador, a não utilização de trabalho infantil ou trabalho escravo.
O Consumidor crítico e solidário está atento para não adquirir produtos e serviços de empresas que produzem armas. Os consumidores começam, assim, a ter uma postura crítica e responsável quando estão comprando um produto ou serviço.
Esse movimento começou a denunciar empresas que exploravam os recursos naturais dos países pobres, a mão-de-obra barata de mulheres e homens e o trabalho infantil. A partir de então, o conceito de comércio justo vem sendo construído com o objetivo de criar uma nova abordagem nas relações comerciais.
Nessa abordagem, as relações entre quem produz e quem consome se pautam pelos valores da justiça social, solidariedade e preservação do meio ambiente. A proposta é reverter o jogo do ganha-perde para o do ganha-ganha.
Os produtores recebem um preço melhor quando se reduzem ao máximo as etapas na cadeia de distribuição. Dependendo do tipo de parceria estabelecida entre produtores e consumidores, uma parte do valor do produto é pago antecipadamente para ajudar a financiar a produção.
Para tornar o sonho em realidade, foram sendo criadas centrais de importação e lojas em países como Holanda, França, Bélgica, Itália, Suécia, Dinamarca, com o objetivo de comercializar café, açúcar orgânico da América Latina, artesanato de povos africanos, produzidos por associações e cooperativas. À medida que o movimento foi crescendo, cidadãos de outros países foram adotando a idéia, novas centrais de importação e lojas foram sendo criadas e novos produtos foram incorporados.
Como já foi mencionando, além de comercializar produtos com o selo que garante a origem ética e solidária do produto, esse movimento vem desenvolvendo ao longo de suas caminhadas ações que visam a:
- Estimular a agricultura ecológica e a preservação ambiental, através da criação de linhas de financiamento e cursos de capacitação e aprimoramento profissional, com parte das receitas arrecadadas com as vendas.
- Construir relações de longo prazo entre quem produz e quem compra. O produto com selo de comércio justo, além de satisfazer as necessidades e desejos de uso do consumidor, garante que o mesmo tem qualidade, foi produzido sem exploração de mão-de-obra e respeitando o meio ambiente.
- Difusão do produto com valor social agregado. A proposta do comércio justo tem sido um caminho concreto para superar a ações de cunho filantrópico e paternalista, que não facilita a transformação dos excluídos em incluídos. Significa dizer que quando compro um produto com o selo de comércio justo estou contribuindo na construção de uma sociedade justa e igualitária.
- Realização de campanhas e eventos como palestras e seminários, com o objetivo de ampliar a rede de consumidores éticos, solidários e vigilantes. Um exemplo é o da NIKE: quando foi comprovado que a NIKE estava explorando trabalhadores asiáticos, sobretudo crianças, as redes de comércio justo em nível mundial fizeram uma campanha para boicotar a empresa. A NIKE teve de se retratar perante o público e até hoje, apesar das campanhas que visam a posicionar a empresa como patrocinadora de esportes e vida saudável, levará ainda muito tempo para apagar a mancha que ficou na sua marca.
Aqui, no Brasil, inúmeras são as iniciativas que visam a promover o comércio justo e o consumo crítico. No Rio de Janeiro, por exemplo, além da organização de feiras periódicas de produtores e redes de consumidores, temos o exemplo da Unacoop – União das Associações e Cooperativas de Pequenos Produtores Rurais do Estado do Rio de Janeiro e da Rede Ecológica.
A Unacoop, nos últimos anos, vem aprofundando o debate entre seus associados, bem como estimulando e apoiando os agricultores familiares a promover a reconversão da agricultura química para a agricultura orgânica.

Finanças Solidárias
Já vimos experiências de produção, comercialização e consumo solidário, mas na Economia Solidária existem também atividades de crédito, poupança e financiamento, tal como bancos cooperativos, redes de finanças solidárias, entre outros.
É cada vez maior o número de pessoas e grupos cooperativos que querem investir seus recursos financeiros, suas poupanças em instituições financeiras solidárias. Elas não querem ver seu dinheiro a serviço dos cassinos das especulações financeiras, que só promovem o aprofundamento da exclusão social. Querem dar um sentido social ao seu dinheiro. Possibilitando, assim, a criação de linhas de investimento que promovem o crédito para financiar a produção, novas iniciativas empreendedoras, construção de casa, todos voltados para a criação de uma sociedade justa. São pessoas que não querem investir seu dinheiro em bancos que financiam guerras ou cobram juros altíssimos para obter lucros estratosféricos. São empreendimentos que não podem pagar as taxas de juros de mercado para realizar os investimentos necessários e, então, escolhem formas alternativas e não predatórias de crédito para poupar e para receber financiamentos.
No Rio, temos a recém-criada Casa da Confiança, formada por empreendimentos que fazem parte do Fórum de Cooperativismo Popular. No Ceará, temos a experiência do Banco Palmas.
Para finalizar, não podemos deixar de citar outras formas importantíssimas da prática da economia solidária, dentre elas os movimentos ambientalistas como os de preservação da Amazônia, como os seringueiros do Pará; agroecologia, que busca resgatar os princípios da agricultura que está a serviço da vida, da biodiversidade e da preservação ambiental e não do lucro acima de tudo, como querem multinacionais como a Monsanto; movimentos de difusão de softwares livres, que tem como objetivo a inclusão digital dos povos e a quebra do monopólio milionário de empresas como a Microsoft.
Vimos como na Economia Solidária existem muitas práticas, muitas experiências diferentes e interessantes e todas elas procuram construir uma nova ordem social e econômica, onde o ser humano seja valorizado; o trabalho, e não o capital, seja prioritário, e as relações entre as pessoas sejam fundadas no respeito, na democracia, no diálogo, e não no exercício de um poder predatório, egoísta e destrutivo.

4 comentários:

  1. Respostas
    1. Em nome das autoras, que são profissionais experientes agradecemos pelo elogio e sugerimos que divulguem, pois para o país desenvolver de fato, também passa pela economia solidária movimentando o desenvolvimento local.

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  2. Rever, realinhar e reconstruir!!!
    .
    . .
    hds

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